Somos um movimento de organizações da sociedade que a partir da identificação, sistematização e mapeamento de experiências procura se articular no estado com o objetivo de fortalecer as iniciativas agroecológicas
O Grupo de trabalho (GT) Mulheres Serramar da AARJ, composto por uma média de 25 mulheres, é um espaço de auto organização das mulheres na agroecologia, de troca de experiências, onde é possível aumentar o reconhecimento do trabalho das mulheres, e contribuir de diversas formas. Antes da pandemia, as reuniões do GT eram bimensais, e os encontros eram mais frequentes, com mulheres se reunindo em seus sítios, uma vez que ainda não existe uma sede física do coletivo e são muitos os motivos para se encontrar e debater sobre as situações e contextos locais.
Geralmente, as reuniões do GT aconteciam em formato de oficina, onde se combinam momentos de preparo e degustação de receitas, plantio, produção de artesanato ou saboaria com a realização de rodas de conversa. O GT também participava coletivamente de feiras agroecológicas universitárias na UFRJ Macaé e na UFF Rio das Ostras, de encontros e festivais.
A pandemia chegou alterando a realidade e criando desafios ainda maiores a serem enfrentados. Isso se soma ao momento político de esvaziamento das políticas públicas para a agricultura familiar e, em especial, para as mulheres rurais. Em tempos difíceis se espera que as pessoas em necessidade sejam apoiadas e amparadas pelo estado, no entanto para a agricultura familiar houve apenas a criação de ainda mais empecilhos para o acesso a algum tipo de apoio. O presidente Bolsonaro deliberadamente vetou o acesso ao auxílio emergencial para a categoria da agricultura familiar, portanto só tiveram acesso as famílias que estavam inscritas no Cadúnico.
Procurando se manter ativo o GT encontrou novas dinâmicas de organização para continuar se encontrando de alguma maneira. A principal motivação para buscar modos de se comunicar durante a pandemia é manter a rede segura, manter o espaço de troca, de conversa, de apoio, de afeto. Isso é importante num momento em que as agricultoras se sentem sozinhas em isolamento. Sem a opção do presencial, e com a maioria agricultoras com dificuldade de acesso a internet de qualidade, a maneira encontrada para continuar os encontros foi através de reuniões pelo aplicativo Whatsapp (o conhecido “zap”). Dessa forma, dividindo a conversa em tópicos de debate elas conseguem se reunir, ainda que com menor frequência e desenvolver projetos, planejar ações como encontros remotos, espaços de conversa sobre a covid, e outras ações em parceria com os projetos de extensão “Comida é Patrimônio” (UFRJ Macaé) e Semeando Agroecologia (UFF). O GT é um dos participantes da pesquisa-ação e projeto de extensão “Saberes populares sobre a Covid nos territórios rurais” coordenado pela UFF Rio das Ostras em parceria com UFRJ Macaé. Lembrando que acima de tudo essa nova forma de explorar esse meio de comunicação é resultado de uma busca por uma dinâmica participativa e acolhedora. Ao mesmo tempo que assuntos pragmáticos são tratados, também existem momentos de acolhimento das inseguranças e incertezas do momento que vivemos, e trocas de experiências sobre a covid. Em termos de aprendizados destacamos a importância de manter vivas as estratégias de contato periódico considerando as limitações de acesso digital que temos.
A professora Vanessa Schottz (UFRJ Macaé), integrante do GT Mulheres Serramar, nos conta um pouco desse processo: “Nesse contexto da pandemia, o GT tem sido um espaço de acolhimento mútuo, de cuidado coletivo, de exercício da solidariedade e ao mesmo tempo de construção coletiva do conhecimento e de resistência. Apesar de estarmos espalhadas por diferentes territórios, conseguimos manter uma dinâmica constante de diálogo, troca de experiências, compartilhamento de angústias e de sonhos e de luta contra as opressões.”
O apoio dentro do coletivo é o motor dessas realizações, a solidariedade está presente em todas as ações realizadas pelo GT. Mesmo com tantas adversidades durante a pandemia este GT realizou muitas ações:
– Rede de apoio do GT Serramar para mulheres que sofreram com problemas emocionais, depressões, problemas familiares, violência doméstica, problemas com feminicídio e demais. Fazem parte dessa rede as agricultoras e também psicólogas, e terapeutas que se ajudam e mantém contato para não ficarem isoladas.
– O GT, em parceria com o Projeto de Extensão Comida é Patrimônio da UFRJ Macaé e Semeando a Agroecologia (UFF Rio das Ostras), foi contemplado com o prêmio da Lei Aldir Blanc num processo autogestionado, com o protagonismo das agricultoras. Neste projeto foram produzidos 8 episódios de podcast da série intitulada “Poesias Culinárias”, onde cada agricultora resgata sua história, sua relação com território, apresenta uma receita tradicional e ainda nos brinda com uma poesia. O prêmio foi importante, pois gerou um incremento momentâneo na renda das agricultoras envolvidas no processo, e também promoveu o reconhecimento e divulgação desses saberes e essas experiências. Em breve, a série “Poesias Culinárias” será lançada!
– Produziram e distribuíram um “Kit de produtos agroecológicos”
– Ações de apoio ao acesso ao Auxílio Emergencial do governo federal
– Cadastro na plataforma Agroecologia em Rede a partir de reflexão coletiva de nossa experiência.
– Realização de um mapeamento de plantas medicinais utilizadas para diminuir sintomas de gripe/covid, como febre, dor de garganta e fortalecimento da imunidade, no âmbito do projeto “Saberes Populares sobre a covid nos territórios rurais”;
– Seleção de receitas e produção de áudios livro dessas receitas.
– Gravação de vídeo sobre os saberes populares no enfrentamento da covid
Essas ações deram muitos frutos. Os principais foram o fortalecimento do grupo de mulheres nesse momento tão difícil, como a agricultora Cida nos conta:
“foi muito importante no momento que estava precisando de uma orientação de dizer como e o que fazer, e ter também alguém do outro lado alguém perguntando se precisava de algo. Essa importância de saber que do outro lado ter alguém pensando em vc, se vc estava bem, no momento que mais precisavam ter essa rede perguntando e sempre junta para trocar, desabafar. Muito importante dentro do grupo.”
Mesmo distantes, as mulheres do GT conseguiram manter a comunicação, dando andamento às ações e realizações da coletiva. E ainda conseguiram aumentar a aproximação com outras mulheres locais. Como disse Cida:
“os frutos seguem crescendo e amadurecendo, pois o grupo só cresce, se cresce é sinal que os frutos serão bons.”
E agora é a esperança de todas serem logo vacinadas pela segunda vez para comemorar tudo isso juntas! Nas reuniões pelo “zap”, o GT costuma planejar como será esse momento do encontro presencial que tanto anseiam!